Com direitos esportivos fragmentados, informar público onde assistir aos jogos ainda é desafio


Victor Machado, Denis Gavazzi, Diego Vieira, Bernardo Itri e Felipe Aquilino

Se é inegável que o ambiente de consumo de mídia e entretenimento atual é de total fragmentação, isso fica ainda mais evidente no segmento de esportes. Os direitos de transmissão de competições – antes, concentrados em pouquíssimos grupos de mídia, no caso do Brasil, essencialmente os canais do Grupo Globo, entre alguns outros poucos players, que variavam dependendo do esporte – hoje estão distribuídos por diversos lugares, que oferecem diferentes formatos de consumo, como TV aberta, TV fechada, plataformas de streaming, canais FAST e YouTube, por exemplo. A maneira como os direitos estão redefinindo o mercado foi tema de painel no congresso SET Expo nesta quarta-feira, 21 de agosto.

A mesa reuniu quatro debatedores, para além do moderador, representantes de diferentes empresas – nenhuma delas era o Grupo Globo, o que reforça essa tese de que os direitos, outrora concentrados entre marcas como TV Globo, sportv e Premiere, estão agora divididos por outros agentes de mídia tradicionais e novos entrantes, que chegaram para redefinir essa equação. O que não muda é o caráter premium do esporte enquanto conteúdo e a capacidade de audiência, alcance e engajamento que ele tem.

Importância do esporte nas estratégias
É consenso que o esporte sempre foi propriedade premium – o fato de ter o ao vivo e fazer as pessoas pararem na frente da TV (ou de qualquer outra tela) para acompanharem simultaneamente uma partida faz dele algo único, que se aproxima talvez dos conteúdos de entretenimento ao vivo, como os reality shows, mas em diferente proporção. "O esporte tem se tornado propriedade cada vez mais valiosa para os grupos de mídia. A audiência é muito grande e mostra a força que esse tipo de conteúdo tem", disse Felipe Aquilino, head de direitos de transmissão e sócio da LiveMode. O especialista trouxe ainda o dado de que nos Estados Unidos, dos 50 eventos mais assistidos da TV, 45 são esportes. "Os grupos de mídia, entre os mais tradicionais e outros novos, passaram a trazer o esporte como parte do portfólio com tanta importância quanto filmes e séries. O esporte por si só já é premium, mas combinado com esses outros conteúdos faz a programação das plataformas ficar bastante relevante", completou.

O esporte é parte fundamental da estratégia de Pay TV, streaming e digital da Warner Bros. Discovery. Desde os campeonatos gigantes, como a UEFA Champions League, até os menores, como o Paulistão, as transmissões esportivas funcionam muito bem nas plataformas e também na audiência de TV. "O futebol especialmente é muito precioso para nós porque gera negócio e impulsiona assinaturas", destacou Diego Vieira, head de esportes da WBD. Ele enxerga que o momento ainda é de transformação, mas acredita que já está acontecendo um movimento de adaptação e consolidação dos novos modelos – que foram testados e deram certo. "Vamos ver num curto prazo o que deu errado, o que deu certo, quem vai sair e quem vai ficar. Ficará de pé quem conseguir fazer modelos de negócio consistentes com seus direitos esportivos".

Ainda entre os veículos mais tradicionais está o Grupo Bandeirantes, que tem entre seus principais direitos no mundo esportivo a Fórmula 1. Para Denis Gavazzi, diretor de esportes, esse mercado ainda levará um tempo para se estabilizar e veremos cada vez mais grandes conglomerados fazendo investimentos mundiais. "O Brasil, por exemplo, é um excelente caminho para eles. Temos a paixão por mídia e por consumo de conteúdo, além é claro da paixão pelo esporte, principalmente o futebol. Veremos modificações ao longo dos próximos anos até estabilizar", apostou.

Negócios sustentáveis para donos e compradores de direitos

Do ponto de vista de quem está do outro lado do balcão, isto é, do dono dos direitos, Bernardo Itri, vice-presidente executivo de comunicação e marketing da Federação Paulista de Futebol, relembra que essas mudanças aconteceram num espaço curto de tempo, e que o mercado brasileiro ficou estagnado no cenário de concentração de direitos por muitos anos. "Buscamos entender como poderíamos olhar para o mercado de forma mais proveitosa. Precisávamos repensar os direitos. A mudança passa pelo entendimento da complexidade do mercado de mídia – e a maior parte dos grupos pode ser aproveitar do futebol sob esse aspecto", garantiu. "É uma grande oportunidade. O processo agora é mais democrático. Podemos ofertar melhores opções para os parceiros de mídia e, consequentemente, gerar mais receita para os clubes e dar mais opções aos torcedores. Os negócios são sustentáveis para os dois lados, donos e compradores de direitos".

Nesse sentido, Aquilino menciona outra mudança importante: para além de existirem mais atores à mesa, o modo como as competições são vendidas também se transformou – antes, era por bloco, isto é, um veículo podia comprar todos os jogos do Campeonato Brasileiro, por exemplo. Agora, pode ser um determinado número de partidas, sendo que somente algumas serão exclusivas. "Isso tem grandes impactos na prática. Maximiza a parte econômica nos direitos e na distribuição e traz públicos diferentes", avalia. Vieira ressalta que, ainda assim, para todos os agentes ter alguma coisa exclusiva, nem que seja um jogo, continua sendo fundamental.

Desafio de comunicação e promoção de conteúdos

No ambiente fragmentado, um dos maiores desafios tem sido a comunicação com o torcedor e a promoção do conteúdo. Não é de hoje que a audiência reclama que é muito difícil saber onde vai passar cada jogo do seu time do coração, uma vez que eles estão espalhados por diferentes plataformas. Para Itri, solucionar o problema passa pela cooperação dos clubes: "Ninguém melhor do que o próprio clube para falar para o torcedor dele onde o jogo vai passar. A promoção desses jogos também deve ser feita por eles e pelos jogadores". A Federação também fez sua parte ao criar o site "Cadê o Jogo", que mostra onde vão passar os jogos do Paulistão. "Mas ainda existe o desafio de um plano de comunicação mais direto e de facilitar a vida do consumidor", reconhece.

Vieira concorda que solucionar a questão só será possível com o envolvimento de todos da cadeia, entre players, clubes e federações. "Olhando para o grupo de mídia, é necessária uma estratégia bem definida, entendendo quem é o público, como você vai ampliá-lo e como fará a informação chegar para todas essas audiências. Na WBD, uma das ferramentas é a comunidade digital, que é muito grande. Ali, a conversa começa muitos dias antes dos grandes eventos, já trazendo o fã e explicando onde ele vai poder assistir. "Não voltaremos para o modelo de centralização, então temos que usar WhatsApp, Instagram, YouTube, grupo de talentos e todos os outros pontos de contato para garantir uma boa comunicação e fazer a info chegar. Todo o ecossistema precisa se ajudar", afirmou.

Gavazzi já não dá tanto peso a esse ponto e acredita que o torcedor é capaz de achar onde está passando o jogo do time dele: "As pessoas já estão aprendendo essa dinâmica e entendendo que acabou o modelo centralizado. O público já se acostumou com novos nomes e players e a nova geração já nasce vendo o esporte dessa forma". O sócio da LiveMode, por sua vez, concorda que o torcedor de um grande time vai descobrir onde a partida será transmitida, mas que no caso dos jogos, times e campeonatos menores, a comunicação ainda é um desafio, sim. Na CazéTV, por exemplo, eles têm agora a missão de promover o Campeonato Francês, exibido pelo canal: "Aí precisamos entrar de forma criativa na promoção, para além das formas tradicionais. No mundo ideal, a pessoa assistiria um jogo e ali mesmo já teria uma chamada avisando onde será o jogo seguinte daquele time ou campeonato, mesmo que seja numa outra plataforma. Os grupos precisam entender que não é cada um por si. A audiência de todos vai crescer a partir do momento em que um começa a promover o outro. No final, todos saem ganhando".

Responsabilidade com os direitos adquiridos

Pensando nos desafios e oportunidades do momento atual, os especialistas ainda citaram a responsabilidade com o conteúdo e o cuidado com o direito de transmissão adquirido. Vieira explica: "A fragmentação traz maximização de receitas e a possibilidade de se tirar o máximo dos direitos. Mas temos que pensar que não adianta entregar seu produto na mão de alguém que não saberá trabalhar com ele e comunicar com o fã. No final, esse produto acabará perdendo valor. Essa é uma discussão que precisa amadurecer. Para além do valor que o detentor do direito está pagando, o que ele está fazendo por esse produto? Na WBD, por exemplo, como trabalhamos no mercado brasileiro para atrair novos públicos para a Champions? É um campeonato muito grande e, por isso, precisamos entregar o nível de excelência da competição. É um desafio gigante para a indústria. O direito esportivo é muito relevante, mas a responsabilidade pelo que se paga também é muito importante".

Gavazzi complementa: "É a importância da entrega. O consumidor vai achar o conteúdo esportivo que ele quer ver, mas aí nosso papel é fazer direito uma transmissão de Fórmula 1, por exemplo. Assim como a Champions, eles têm uma preocupação gigantesca em fazer a melhor entrega – com boa transmissão, imagens bonitas, comentários relevantes – de cada evento deles. Isso é também ter respeito com o fã e tratar quem está assistindo da melhor maneira possível".

Produção de conteúdo no entorno das partidas

Os dois falaram ainda sobre o trabalho no entorno dos jogos e competições em si – trabalho este que para a TNT Sports, por exemplo, está muito no ambiente digital. Somando todas as redes sociais, o canal tem mais de 75 milhões de seguidores, e aproveita para reverberar ali toda a conversa, com conteúdos como highlights, reacts e programas específicos. "A vida do fã está muito além das telas do jogo e sempre entendemos a necessidade de produzir conteúdo relevante para todos os lugares onde ele está consumindo. Mesmo em momentos que não somos detentores dos direitos, nos preocupamos em fazer uma cobertura do evento para que a conversa aconteça nas nossas redes. E quando temos os direitos, fazemos isso numa escala ainda maior", contou.

O diretor de esportes da Band enfatiza que eles precisam estar onde o fã quiser acompanhar. Do lado deles, existe realmente a força do tradicional – a TV aberta no Brasil chega a 96% do território do país – e por isso ele assume que o trabalho do canal é pegar todo esse conteúdo dos grandes detentores dos direitos e levar pra essa população que está na TV aberta, com informações jornalísticas. Pensando nisso, a Band exibe hoje na TV aberta 60 horas semanais de conteúdo esportivo jornalístico – e aí entram as notícias sobre aqueles campeonatos que ela não necessariamente transmite. O canal do "Jogo Aberto" no YouTube, programa de esportes clássico da emissora, soma 5 milhões de inscritos, com cerca de 200/300 mil visualizações simultâneas diárias. "E nós nunca produzimos conteúdo exclusivamente dedicado para esse canal. Isso é tudo fruto da TV aberta".


Com informações, Mariana Toledo, por TELA VIVA.

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