Desde os anos 70, as telenovelas se tornaram uma espécie de crônica da sociedade brasileira. Por meio da dramaturgia, entre melodrama e escracho, mocinhos e vilões, os folhetins conseguiam tocar pontos sensíveis de discussão de cada época. Foi assim com Amor de Mãe, novela das 21h30 da Rede Globo que aborda temas como desigualdade social, machismo e racismo. Ou pelo menos abordava. A partir deste fim de semana, a trama deixará de ser exibida. Em seu lugar entrará uma reprise.
O motivo é a prevenção à propagação do novo coronavírus. Em comunicado oficial, a Globo explica: “As novelas terão suas gravações paralisadas, o que vai comprometer suas exibições. Algumas terão seus finais antecipados e outras terão que ser interrompidas mesmo. Por que faremos isso? Porque evitar o contato físico é fundamental na estratégia da sociedade para conter a expansão do vírus.”
Segundo a Globo, não há novelas sem abraços, apertos de mãos, beijos, festas, cenas de briga, cenas de amor, cenas de carinho, tudo aquilo que reflete a vida real, mas que, hoje, não pode ser encenado em segurança. “Interrompendo as gravações, protegemos nossos talentos e, ao mesmo tempo, a sociedade: evitando o contágio aqui, evitamos que ele se espalhe lá fora.”
O último capítulo de Amor de Mãe, portanto, irá ao ar neste sábado. Em seu lugar, o público assistirá a uma versão compacta de Fina Estampa, exibida originalmente em 2011. Não é o único caso. Salve-se Quem Puder, novela das 19h30, ficará no ar até o sábado, 28. A partir daí, estreará nesse horário uma versão reduzida de Totalmente Demais, de 2015. A partir do dia 30, com o fim de Éramos Seis, das 18h, será exibido um compacto de Novo Mundo, de 2017.
Outros programas de entretenimento da Globo foram afetados. As estreias de Conversa com Bial, Simples Assim, apresentado por Angélica, e da nova temporada de Segunda Chamada foram adiadas.
Sem o final da trama das novelas, a emissora terá de prorrogar os contratos por obra dos atores por tempo indeterminado. Um ator intermediário ganha entre 15.000 reais e 25.000 reais. O rombo financeiro, porém, deve vir de possíveis alterações nos valores cobrados pelos espaços comerciais dos programas de entretenimento, possibilidade já admitida pela Globo.
Estima-se que um comercial de 30 segundos no intervalo da reprise de Avenida Brasil, em Vale a Pena Ver de Novo, custe 160.000 reais. Esse valor sobe para 245.000 em Malhação, com números semelhantes de audiência, que terá seu final antecipado para o mês de abril.
A compensação dessa perda de receita pode vir do aumento do tempo de transmissão do jornalismo, que passou a ter 11 horas de cobertura ao vivo, principalmente para falar de notícias relacionadas ao coronavírus. Com edições praticamente dedicadas inteiramente à propagação da covid-19, o Jornal Nacional marcou 37 pontos de audiência na Grande São Paulo, onde cada ponto equivale a 213 mil pessoas, de segunda a quarta desta semana. Foi a maior soma em nove ano de medição na região desde 2011.
No Rio de Janeiro, a média do programa de notícias foi de 38 pontos. Por lá, cada ponto se refere a um grupo de 121 mil pessoas. Um recorde desde 2012.
Uma inserção de 30 segundos no Jornal Nacional custa 850.000 reais, valor próximo ao cobrado pelo comercial exibido no intervalo da novela Amor de Mãe, a maior audiência hoje da TV brasileira, de 830.000 reais, segundo levantamento do colunista Daniel Ribeiro, do RD1. O aumento da audiência dos brasileiros em quarentena, diz Ribeiro, pode ser um fator decisivo nas reuniões com os anunciantes.
O aumento de receita viria em bom momento. A Globo faturou no ano passado 9,7 bilhões de reais, 3,8% a menos do que em 2018, segundo balanço divulgado esta semana. Mas a queda poderia ter sido maior. Com a política de corte de despesas, demissões e renegociações de contratos, a emissora economizou 468 milhões de reais. Na área de produção de novelas, programas de entretenimento e jornalismo, a economia foi ainda maior, de 587 milhões de reais.
Com tantas variáveis, ainda é cedo para saber qual será, para as contas da Rede Globo, o efeito real da propagação do coronavírus – esse sim um drama real, ao contrário dos enredos fictícios dos folhetins.
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