Por:Samuel Possebon
A Claro Brasil fez no final do ano passado um movimento com implicações significativas para o futuro para o setor de TV por assinatura no que diz respeito à regulamentação dos Serviços de Acesso Condicionado (SeAC, estabelecida pela Lei 12.485/2011): a operadora de TV paga abriu, formalmente, uma representação junto à Anatel questionando os modelos de venda no modelo "direct-to-consumer" praticados pela Fox e pela Turner (Esporte Interativo), em que conteúdos empacotados e/ou ao vivo são comercializados em plataformas OTT, via internet, no modelo de assinatura. A tese da Claro, já detalhada por José Felix a este noticiário em novembro do ano passado, é de que estas programadoras estariam fazendo o Serviço de Acesso Condicionado, regulado pela agência, e que por isso deveriam estar sujeitas às mesmas obrigações legais e tributárias. Félix, na ocasião, diferenciou o modelo destas programadoras do modelo praticado pela Netflix, por exemplo, que faz apenas vídeo-sob-demanda pois não empacota, não tem conteúdos ao vivo nem serviços lineares similares a um serviço de TV paga convencional.
A análise da Anatel ainda está sendo feita e não deve sair tão cedo, mas promete ser paradigmática. Se a agência de fato entender que as programadoras, ao praticarem o modelo de venda direta pela Internet, estão fazendo SeAC, então os canais precisarão rever sua estratégia e, com isso, este modelo, cada vez mais comum em outros mercados, ficará travado pela lei brasileira.
Caso a Anatel entenda, por outro lado, que não é SeAC, poderá precipitar um processo que já está no plano de todas as operadoras no longo prazo, de migrar seus serviços para IP, funcionando no modelo OTT. Esta mudança é complexa do ponto de vista técnico e jurídico (por conta dos contratos com os canais e pelas obrigações regulatórias), mas pode livrar as operadoras das obrigações da Lei do SeAC e também da carga tributária, que deixaria de ser onerada pelo ICMS, cobrado de serviços de telecomunicações, para um enquadramento pelo ISS, cobrado dos serviços de streaming. Em qualquer um dos casos, a pressão para mudanças na Lei do SeAC será inevitável.
Hoje, a legislação do SeAC estabelece para as operadoras de TV por assinatura uma série de obrigações e restrições, como as cotas de programação e a segregação entre empresas que produzem e distribuem conteúdos. Vale lembrar que a agência também está analisando a questão da fusão entre a Time Warner e a AT&T à luz da legislação brasileira, justamente porque a Lei do SeAC impede a propriedade cruzada entre programadores e operadoras. A AT&T é controladora da Sky e a Time Warner (que nos EUA já foi incorporada à AT&T e se chama Warner Media) é controladora dos canais Turner e HBO. Qualquer que seja a decisão da agência neste caso, os impactos sobre o mercado de TV por assinatura serão inevitáveis.
Debate
Ainda que o entendimento da Claro Brasil seja comungado pelas demais operadoras e por muitos especialistas, há pelo menos uma empresa com uma visão diferente já tornada pública: a Globosat, maior programadora brasileira. Imediatamente após este noticiário publicar a entrevista com a preocupação da Claro Brasil, em novembro, a Globosat (que não está sendo questionada neste momento na Anatel) mostrou uma visão diferente. Alberto Pecegueiro, diretor geral da empresa, lembrou na ocasião que este caminho de transição dos canais para um modelo que inclua também a venda direta é inevitável ( "este trem já partiu", afirmou ele na ocasião), mas que a programadora pretendia fazer isso de maneira isonômica, e se possível em parceria com as operadoras. Ele também analisou que a Lei do SeAC de alguma maneira deixava a Internet fora do escopo regulatório dos serviços de TV paga. Esta construção jurídica, contudo, depende de uma transposição do conceito de serviços de valor adicionado (previsto na Lei Geral de Telecomunicações) para a distribuição de canais pela Internet. Será uma batalha de teses que ainda tem um longo caminho pela frente mas que antecipa uma mudança drástica na legislação de TV paga estabelecida em 2011.
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