Diretor executivo da Claro Brasil diz que modelo legal e empacotamento da TV paga precisam mudar

José Félix, CEO do grupo no Brasil


Por:Samuel Pessebon
Com mais de 8,8 milhões de assinantes de TV paga, o grupo Claro Brasil, somando a Net Serviços e a Claro TV, é de longe o maior player de TV por assinatura. É, portanto, o player com maior poder de influência no mercado. E a Claro acha que chegou a hora de dar uma "sacolejada" no setor de TV paga, mudar radicalmente o modelo existente, rever alguns pilares que há décadas sustentam a indústria. Em conversa com este noticiário, José Félix, CEO do grupo no Brasil, foi categórico: "vai doer".
Primeiro, ele faz um alerta sobre a perda de base que desde o final de 2015 vem drenando o mercado de TV por assinatura no Brasil. "Resolvemos limpar a nossa base de assinantes. Não vamos pagar para ter gente na base. E a cada decisão desta alguém vai perder dinheiro. É um processo que está em curso e que vamos fazer mais, vamos propositadamente acelerar. A TV por assinatura vai perder mais base, porque não podemos ficar pagando programador e imposto para assinantes que trazem prejuízo, só para dizer que é maior. Vai doer", diz o executivo. "Se a gente não começar a consertar essa realidade, vamos virar reféns dos gigantes (de Internet)", alerta.
E qual é a realidade que Félix entende que precisa ser consertada? Para o presidente do grupo Claro Brasil há duas questões críticas: o modelo legal da TV por assinatura e a política de empacotamentos de canais.
O inconformismo com o modelo legal nasce da constatação de que há provedores de conteúdos lineares tradicionais da TV paga que estão partindo diretamente para a oferta de serviços pela Internet. "Vejo Fox, Première, NFL, todo mundo indo direto para a Internet. Não está previsto em lei o que eles estão fazendo. Aliás, está previsto em lei: na Lei do SeAC. Quer fazer? Precisa ser SeAC, com todas as obrigações. Se você está fazendo alguma coisa que está embaixo da legislação, tem que cumprir a lei. Pode gostar ou não (da lei), pode trabalhar para revogá-la, mas é a que existe e está sendo descaradamente infringida e ninguém fala nada". O problema com estes canais, diz, é que não são ofertas sob demanda, mas os mesmos conteúdos ofertados nos canais pagos, simultaneamente à oferta linear. Para Félix, existem dois caminhos a serem seguidos paralelamente para resolver esse problema. "Tem que mudar a lei, mas, até lá, não pode fazer".
Félix não vê o mesmo problema nem com Netflix, nem com Amazon nem com os canais pagos que colocam os conteúdos on-demand. "Do ponto de vista da execução da transmissão da programação, eles não transmitem futebol, eles não fazem nada ao vivo, é tudo não-linear, aí está ok. São concorrentes que amanhã podem ser aliados, porque produzem programação como qualquer outro". O problema, para Félix, é o conteúdo linear e ao vivo, sobretudo o esportivo, distribuído no modelo OTT. "Tem uma premissa ideológica de que na Internet pode tudo, tem que ser 100% livre", diz. Segundo o presidente do grupo Claro Brasil, a empresa já analisou juridicamente a questão e entende que se a oferta é linear, pela Internet, o provedor de conteúdo teria que seguir as regras do SeAC.
"Há outras questões que têm que ser vistas, porque pode vir gente muito poderosa, como a Amazon, que tem por trás um business mais importante e para quem a TV paga é só uma forma de alavancar o verdadeiro ganha-pão. O Netflix uma hora terá que ser rentável como operação de TV, mas a Amazon não. Talvez o Cade ou outra instância terão que discutir isso no futuro", diz.
Tordesilhas
Félix levanta ainda um segundo problema: a Lei do SeAC impede que empresas de conteúdo sejam distribuidoras e empresas de distribuição sejam produtoras de conteúdo. O mecanismo foi apelidado de Tratado de Tordesilhas para ilustrar a regra de propriedade cruzada presente nos Artigos 5 e 6 da Lei do SeAC. "Não acho que seja a melhor lei do mundo, mas lei é lei. Para mim, isso é um problema sério que precisa ser atacado. Acaba com essa reserva de mercado, porque eles (os programadores) estão distribuindo o conteúdo que eles fazem", diz. "O grupo Claro tem conteúdos próprios em outros países, mas não tem no Brasil, porque a gente cumpre a lei. A lei nos proíbe de fazer conteúdo, porque fazemos distribuição. Desligamos um canal local um mês depois da Lei do SeAC. Se agora mudasse a Lei a gente ia querer ter conteúdo próprio no Brasil com certeza. Exclusividade de conteúdo é um diferencial. Já vimos isso no começo da indústria. A exclusividade da Globosat era um tremendo diferencial das operações da Net", relembra, referindo-se ao modelo comercial que vigorou até meados dos anos 2000, quando os canais Globosat eram exclusivos das operadoras Net e Sky. "Se eu for produzir conteúdo, posso fazer algo exclusivo para mim, como fazem os outros (de Internet). Nada me proíbe de ter conteúdo exclusivo. Conteúdo é importante para o nosso futuro. Boa parte de nossa receita vem disso", diz José Félix.
Para o presidente do grupo Claro Brasil, "enquanto não se muda a lei, e eu acho que tem que ser mudada, todos têm que se enquadrar. A lei é protecionista, é anticoncorrencial, faz uma reserva de mercado (para os grupos nacionais). É uma lei esdrúxula que veio para acomodar algumas situações. Passou, todo mundo viu o que deu certo e o que deu errado. Gerou distorção e é hora de resolver".
Félix lembra que hoje o grupo tem o Now e o ClaroVídeo como plataformas de vídeo sob demanda e distribuição OTT. "Teoricamente, o que me impede de vender esses negócios na Internet independente da TV a cabo? Nada. Que imposto eu pagaria? O ISS. Portanto, em teoria, não existe um desequilíbrio com os OTTs", diz ele, falando sobre a situação de possível assimetria com Netflix, mas ele lembra que as empresas de Internet podem produzir conteúdo, e estão fazendo isso livremente. "Não tem uma ideologia por trás, não estou com medo, só quero igualdade de condições. O modelo de TV por assinatura está mudando", alerta.
Para ele, o modelo regulatório é um problema concreto, que inibe a competição e a inovação. "Esta reserva de mercado está cômoda. Só que está vindo um povaréu por fora que não está a fim dessa acomodação, que quer sacolejar tudo. E queremos estar junto desse movimento. E tem que ser um movimento dentro da lei". Ele admite que está, de certa forma, alinhado à tese que a Sky vem defendendo para tentar aprovar a fusão entre AT&T e Time Warner no Brasil. "Eu jogo em favor da Sky com essa posição, mas está todo mundo nessa briga. Se muda a lei, isso está resolvido para eles".
"O cliente, a pessoa comum, quer o agora, ninguém está preocupado se o Brasil vai ser invadido por empresas estrangeiras de Internet. Ele está preocupado em receber um produto bacana pagando barato, e ele está certo. A gente coloca ideias numa lei e isso fica incoerente com a realidade", afirma Félix. Para ele, o receio que havia de que as empresas de telecomunicações atropelariam as empresas de conteúdo quando a Lei do SeAC foi elaborada, entre 2007 e 2011, hoje está se materializando na Internet.
Empacotamento
Mas não é só a legislação de TV paga e o impedimento para que empresas de telecomunicações produzam ou tenham direitos sobre conteúdos que incomoda o CEO do grupo Claro Brasil. Ele retoma uma discussão que há décadas é colocada na mesa e que sempre se mostrou de difícil resolução, até porque é o modelo que hoje garante a viabilidade econômica da grande oferta de conteúdos existentes nos diferentes canais pagos: o empacotamento de canais.
"O assinante quer contratar e pagar pelos canais que gosta. Pode inclusive pagar pela cauda longa, porque as pessoas têm gostos variados. Há canais de baixíssima audiência, mas que despertam o interesse de um público e precisam ser oferecidos, valoriza a nossa oferta. Mas do jeito que as coisas são hoje, não dá para fazer, porque somos obrigados pelo programador a levar um monte de canais para todo mundo, mesmo que o cliente queira só canal A ou B", diz o executivo. "Com isso eu empurro para o cliente um monte de canal que ele não quer, porque não tenho opção".
Félix conhece bem a indústria de TV paga no Brasil desde que ela nasceu, há quase 30 anos, e reconhece que esta conversa é difícil para os programadores. "Mas o fato é que alguns canais não deveriam existir, ou deveriam ser sustentados pela propaganda. Temos um modelo que precisa ser mexido visando essa realidade que está vindo por aí. É diferente da realidade de décadas atrás".
Ele reforça que o Brasil tem uma população de baixa renda e uma classe C, D e E gigantescas. "São milhões de pessoas. Mas só quem pode pagar pelo modelo atual é a classe A e B. Há gente de classe C que paga porque adora, mas se o modelo fosse mais adequado, se teria muito mais assinante", pondera. "Vejo todo mundo procurar o famoso pacote de baixo custo, há décadas, mas isso não existe, por causa do modelo. Por causa do SeAC. Por causa da reserva de mercado. Só consigo dar o pacote de baixo custo o que o cliente não quer. Nem canal aberto mais é de graça. Tem que sacolejar, acordar o mercado", analisa o executivo.
Aproximação
Félix diz que a tendência é que as suas operações de TV paga incorporem todos os provedores de conteúdo que estão hoje atuando na Internet, como Amazon, Netflix e Youtube. Todos acabarão entrando na oferta da Net e da Claro TV, quando os acertos comerciais e técnicos forem feitos. "Vai ser um mundo dominado por estrangeiros, e eu não tenho nada contra. Não somos nós (operadoras) que vamos sofrer, quem vai sofrer é o conteúdo nacional". Ele reconhece que a Lei do SeAC valorizou a oferta de conteúdos brasileiros nos canais pagos, mas lembra que o cenário competitivo mudou, e que a TV por assinatura precisa mudar suas bases tradicionais.


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