Em meio às cinzas da tragédia que atingiu o Museu Nacional, a falta de recursos para a preservação do patrimônio histórico no Brasil tornou-se evidente. Tradicionalmente, o Ministério da Cultura repassa grande parte de sua verba para a iniciativa privada por meio de renúncias fiscais, em vez de investir diretamente em projetos culturais ou de preservação.
Para 2018, conforme a assessoria de imprensa do MinC, o orçamento da pasta prevê o investimento de 1,43 bilhão de reais em projetos culturais associados à Lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet. O valor é quase 9 vezes maior ao dos recursos previstos para a área de patrimônio, que deverá receber 168 milhões de reais neste ano.
O Museu Nacional é um dos exemplos dos limitados repasses diretos do Minc para a área de patrimônio e museus. Em 2013, a instituição recebeu 1,3 milhão de reais. No ano passado, o valor caiu pela metade: 643 mil reais.
Não é de hoje que a renúncia fiscal via Lei Rouanet responde por grande parte dos investimentos do Ministério da Cultura. Em 2017, o Brasil deixou de recolher 1,18 bilhão de reais em impostos para investir em projetos culturais por meio de renúncias fiscais. O valor tem caído timidamente desde 2015, mas cresceu bastante nas décadas anteriores. Em 1993, quando foi aprovada a legislação, o valor captado foi de apenas 21,2 mil reais. Dez anos depois, chegou a 430,8 milhões de reais. Em 2013, foi de 1,26 bilhão de reais.
Alvo de muitas críticas da sociedade, a Lei Rouanet já beneficiou artistas de renome e grandes e rentáveis atrações culturais, como musicais de origem estrangeira. Em 2017, segundo dados do Ministério da Cultura, a principal empresa beneficiada por renúncia fiscal foi a Time for Fun (T4F), uma das maiores companhias de entretenimento da América Latina. Neste ano, ela organiza uma apresentação de Roger Waters, ex-Pink Floyd, e o musical Fantasma da Ópera, por exemplo.
No ano passado, a Time for Fun foi contemplado com 16,4 milhões em renúncia fiscal, quase um décimo de todo o valor previsto para o investimento direto em patrimônio neste ano.
Além de artistas e produtores culturais, alguns dos principais beneficiados pela legislação são espaços culturais privados ou fundações. No top 20 dos maiores beneficiados em 2017, despontam o Instituto Cultural Inhotim, contemplado com 12,8 milhões de reais, o Instituto Tomie Ohtake (11,6 milhões) e Fundação Roberto Marinho (10,9 milhões).
Antes de deixar o Ministério da Cultura em meio ao impeachment de Dilma Rousseff, Juca Ferreira tinha um projeto para moralizar os repasses do MinC via Lei Rouanet. O objetivo era aprovar medidas para democratizar o acesso ao fomento e melhorar a distribuição dos recursos pelo território nacional, além de viabilizar fontes alternativas previstas, mas que nunca saíram do papel. Além disso, o ex-ministro queria aumentar os investimentos diretos em cultura.
À época, Ferreira afirmou a CartaCapital que a Lei Rouanet é "perversa". "Só se aplica a quem tem condições de dar retorno de imagem para as empresas que se associam. O dinheiro é público, mas quem define em última instância é o setor privado."
Com a ascensão de Michel Temer ao poder, o projeto para alterar a lei ficou pelo caminho. A continuidade da política de fomento por renúncia fiscal continua a ser a prioridade do MinC. Segundo o ministério, museus e patrimônios culturais receberam 633,4 milhões de reais nos últimos três, sendo 340,5 milhões, mais da metade, por meio de projetos via Lei Rouanet.
#CARTA
Postar um comentário
Deixe seu comentário