Jornalista da Record dispensa a peruca e assume câncer em rede nacional

O mundo desabou para Heloisa Villela em agosto do ano passado. Em uma investigação médica, a correspondente da Record em Nova York descobriu que estava com câncer de mama de um tipo bastante agressivo, em estágio já adiantado. Nos dias seguintes, enfrentou a pior semana de sua vida.

Heloisa passou por seis sessões de quimioterapia, encerradas em dezembro, e, praticamente curada, está se submetendo a uma pesquisa científica que substitui a retirada dos nódulos linfáticos pela radiação, o que evita o linfedema, uma das consequências desagradáveis do câncer de mama.

Foi em uma reportagem sobre essa pesquisa, exibida no Domingo Espetacular em 20 de maio, que Heloisa revelou a doença em rede nacional. Desde então, ela dispensa o uso da peruca. Exibe seus cabelos grisalhos quase todos os dias no Jornal da Record. Afinal, orgulha-se de ser uma jornalista experiente, com 30 anos de carreira só nos Estados Unidos (15 deles na Globo).

Com seu gesto, faz um alerta sobre a importância da mamografia e quebra o paradigma de repórter de TV tem de ser "novinha", como os cabelos pintados. Ela deu a seguinte entrevista ao Notícias da TV:

'CHOREI A SEMANA INTEIRA'

Foi horrível [a descoberta do câncer]. Imediatamente o susto é grande. Por sorte, na semana em que eu descobri, meu filho não estava em casa, estava viajando com o pai, numa colônia de férias. Não tinha ninguém em casa. Então eu chorei a semana inteira. Eu chorava e parava, parava e chorava. Você começa a pensar em tudo o que você vai passar e não sabe se vai ter uma solução, se vai morrer por causa da doença.

A primeira semana é a pior possível, a pior de todas, sem dúvidas. Pior do que qualquer quimioterapia que eu fiz. Muito pior. É a semana do impacto da notícia. E aí, quando ela foi se aproximando do fim, eu só queria saber de marcar exames e fazer coisas. Pra mim, o único conforto era agir, para pelo menos saber que estava lutando.

Eu não sabia qual era o tipo de câncer, queria falar para os meus filhos, mas a médica me disse que iriam fazer uma análise mais aprofundada no material da biópsia. Um dos meus filhos tem 18 [anos], o outro tem 16. De qualquer forma, seria chocante pra eles. Quando eu contei, já contei com a notícia de que tinha um remédio específico.

CANCER AGRESSIVO E INVASIVO

Estou fazendo um tratamento preventivo porque o meu tipo de câncer é um tipo que tem um receptor chamado HER-2, que é uma proteína. O câncer de mama tem, em geral, três tipos: com o receptor estrogênio, progesterona e o dessa proteína. Existe também o que é triplo negativo, que não tem nenhum desses três receptores. Esse receptor é como se fosse o encaixe que a célula cancerígena tem.


A Medicina conseguiu desenvolver recentemente dois remédios que se encaixam ali e destróem o câncer. Então, eu sou muito privilegiada, com muita sorte, porque esses remédios estão no mercado daqui dos Estados Unidos há uns cinco anos.

O câncer que eu tenho é invasivo, bastante agressivo. Minha médica falou que antigamente tinha pavor de se deparar com esse câncer, mas hoje em dia eles torcem para que seja. Porque agora tem o remédio específico para lidar com ele. Mas esse remédio só é administrado com a quimioterapia.

TRATAMENTO COM ALVO CERTO

A primeira coisa que eu fiz foi a químio. Eram quatro produtos químicos que eu tomava a cada sessão. Elas duravam cinco, seis horas. Dois [remédios] têm os efeitos que a gente conhece, de enjoo, diarreia, queda do cabelo, porque atacam todas as partes do corpo onde há uma multiplicação muito intensa de células. E os outros dois [remédios] eram específicos. Atacavam diretamente as células que têm aquele encaixe... É um tratamento com alvo certo.

Esses dois [últimos] eu continuo tomando, e vou continuar até janeiro do ano que vem, porque é uma medida preventiva. Se alguma célula dessas escapou e está passeando por aí, ela será, se Deus quiser, encontrada e eliminada.

Eu já estava com o câncer em estágio 2, ou seja, tinha um nódulo linfático debaixo do braço, que na biópsia deu positivo, e quando eu fiz a operação tirei mais cinco. Não tirei todos, tirei só os que eram realmente obrigatórios pra ver como estava a situação. E nesses que eu tirei, um outro também estava positivo. Enfim, depois fiz a quimioterapia, ainda ficou um pedaço pequeno de tumor, então fiz uma operação pra retirada. Retirei, com uma margem grande de segurança em volta dele. Depois da operação, eu fiz a radiação, que foi bem forte.

CONTRIBUIÇÃO PARA O FUTURO

Faço parte de uma pesquisa que consiste em não tirar todos os nódulos linfáticos, todos os linfonodos debaixo do braço. E, ao invés de os retirar, tratar com radiação. Essa é a parte experimental. As indicações que eles têm é de que isso é tão eficiente quanto você os retirar, então é melhor não retirar porque evita certos efeitos, certas consequências desagradáveis, como o linfedema. O estudo quer saber se a radiação é uma forma tão eficiente quanto a retirada de todos os nódulos na hora de evitar a volta da doença. 

TOTALMENTE CURADA

Em princípio, eu estou [totalmente curada]. Porque não tenho nenhuma mancha suspeita, nenhuma massa estranha que possa ser câncer, os exames todos que eu fiz indicam que no momento eu estou livre da doença. Mas ainda é uma fase muito recente do tratamento para afirmar isso. Estou sendo acompanhada mais intensamente, a cada seis meses vou fazer uma série de exames, porque eu faço parte dessa pesquisa.

TRABALHAR SEM PARAR

Eu não parei de trabalhar. Faltei muitos dias, né? Mas eu não parei de trabalhar, não. A minha médica sugeriu que eu continuasse trabalhando o quanto pudesse, pra ajudar a cabeça, pra não ficar vivendo só aquela coisa do câncer, do tratamento. A Record foi maravilhosa comigo, me deu carta branca para eu fazer o que eu quisesse, na hora em que eu quisesse. Então, nos dias em que eu estava mal da quimioterapia eu não trabalhava, e depois, quando eu começava a melhorar, eu voltava a trabalhar aos pouquinhos, e fazia o quanto podia.

REVELAÇÃO EM REDE NACIONAL

Eu pensei um bocado. Eu primeiro acho que é muito importante as pessoas saberem dessa pesquisa toda. Eu já tinha decidido que eu não iria mais pintar o cabelo, e que assim que possível eu deixaria de usar peruca, se a Record concordasse. Conversei com a direção da emissora, e eles me falaram que eu estava muito bem assim, e que eu podia mostrar na hora em que eu quisesse.


Então eu combinei que faria uma matéria para o Domingo Espetacular. Ninguém tem que saber da minha vida. Mas eu acho que algum tipo de satisfação tinha que dar para os telespectadores da Record, já que a minha imagem mudaria de uma hora para a outra, de uma forma tão radical.

Eu estou fazendo parte de uma pesquisa que eu achei interessante o suficiente para ser notícia. Então achei que dava para as pessoas saberem ali o que estava acontecendo comigo. Eu jamais faria uma matéria falando o que eu passei, como foi enfrentar o câncer. Jamais eu faria isso. Jornalista não é notícia. Jornalista faz notícia. Acredito que eu dei a satisfação que eu tinha que dar e a partir disso me senti livre para assumir essa mudança na aparência.

ASSUMINDO OS CABELOS BRANCOS

Depois que eu descobri o câncer, passei a tirar da minha vida tudo que pudesse ser tóxico. Eu mudei o tipo de xampu que eu uso, o tipo de sabonete, de desodorante. Só como comida orgânica. Fiz todas essas coisas. Não vou botar uma química no meu cabelo, né? Sempre tive vontade de usar o cabelo natural e não fazia por conta da TV.

Ninguém [na TV] nunca me falou que eu não podia [deixar os cabelos brancos]. Mas é uma coisa meio do Brasil. As mulheres têm que parecer novinhas, não podem ter cabelo branco. Não ia pegar bem.

Mas isso está mudando. Aqui mudou muito. O silver, como dizem, está super na moda, está super in. E na televisão não tem esse negócio, porque as pessoas que têm experiência são valorizadas, não tem isso de todo mundo parecer novinho. Você liga a TV aqui e é totalmente diferente.

UM CONSELHO PARA AS MULHERES

Façam o mamograma todo ano. Nunca percam o prazo. Façam sempre direitinho, porque se você tiver que passar por isso, quanto mais cedo você pegar, melhor. Hoje em dia cada vez mais você tem alternativas e, se pegar muito cedo, vai ser bem tranquilo.

O melhor é fazer seus exames, ter tudo em dia e procurar um médico assim que descobrir ou desconfiar de algo. E não pensar no câncer como a gente pensava antigamente, como uma sentença de morte. A cada dia que passa ele se torna uma doença crônica e [você] vai conviver com o que tiver que conviver. Cada vez se morre menos de câncer. Ainda se morre muito, claro, mas cada vez menos. O jeito é não se desesperar. Tem saída.

APOSENTADORIA NO BRASIL?

Não só [a carreira], minha vida adulta também foi quase toda aqui [nos Estados Unidos]. Eu cheguei aqui com 25 anos. Quando eu entrei na Record, a primeira coisa que me chamaram pra fazer foi o Pan do Rio, em 2007. E foi muito bom trabalhar em português, sabe? Fazer as entrevistas em português, conversar com as pessoas que falam o seu idioma, que são da sua cultura.

Então, é por isso que eu te digo, não teria problema em trabalhar no Brasil. Não mesmo. Sinto muita falta do Brasil, sinto muita falta da minha família enorme, que é muito divertida, unida, bacana. Sinto muita falta das minhas irmãs, irmãos, pais. Seria bem legal voltar. Não acho que seria um problema, não.

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