Em crise, afiliada do SBT entrevista 'demônio' ao vivo em jornal matinal



"Um dia histórico para a televisão brasileira". Foi assim que Ricardo Carlini, diretor de Jornalismo da TV Alterosa, abriu uma edição do TV Verdade, jornalístico das manhãs da afiliada do SBT em Belo Horizonte, na última segunda-feira (7). Ele e uma bancada de convidados, de pastor a uma cantora de funk, sabatinaram ao vivo o "demônio".

Carlini começou o jornalístico, exibido às 7h da manhã, relembrando uma edição exibida no final de abril, que abordou um crime que deixou três mortos, todos da mesma família, no bairro do Pindorama, na capital mineira.

Após reprisar parte do programa antigo, o apresentador lançou a pergunta: "Você sabe quem prendeu o monstro do Pindorama? Vocês sabem quem prendeu o chacineiro, o monstro, o vagabundo?". Após a pergunta, a tela foi tomada pela imagem do topo deste texto, a do Exu Tranca Ruas, entidade da Umbanda, que no programa foi chamada de demônio. 

Frequentemente confundidos com o demônio, os exus são entidades espirituais populares na Umbanda, e atuam como intermediadores entre os orixás (santos) e os humanos. São considerados divindades pelos praticantes da religião, e podem atuar tanto para o bem quanto para o mal. Os mais evoluídos, no entanto, sempre advertem os fiéis que fazem pedidos mal-intencionados.


Na sequência, o programa mostrou um homem, identificado apenas como Marcelo, atrás de um biombo. Carlini justificou a aparência e a voz normais do homem, que disse apenas ser "uma ponte para que as entidades venham trabalhar" e que tem "prazer em trabalhar com o Exu".

Depois de 22 minutos de programa, Marcelo foi abordado pelo pastor Richard Costa, um dos entrevistadores, que o acusava de estar mentindo sobre seu envolvimento com a prisão do acusado das três mortes e que tudo aquilo seria uma "baboseira". 

Marcelo então começou a bufar. Carlini, assustado, perguntou se estava tudo bem com ele. O pastor passou a clamar por "sangue de Jesus tem poder!". Marcelo passou a atender por Manã. "Vocês [da igreja] não são donos da verdade", disse, com a voz alterada.


Deu-se início a um extenso bate-boca, regado a ofensas e gritaria de todos os convidados do programa. O "debate" baixou ainda mais o nível, apelou para a suposta homossexualidade de uma sobrevivente da chacina e dos participantes do programa.

Ricardo Carlini tentou retomar o controle, mas foi interrompido pelo suposto "demônio", que bradava respeitar todas as religiões, mas perguntou ao pastor se "dentro da igreja ninguém queimava o redondo".


Ricardo Carlini encerrou o jornalístico bradando que "aqui tem somente a verdade, nada mais do que a verdade", enquanto eram exibidas imagens de entidades populares no umbandismo. Ou seja, o âncora da TV Alterosa, que passa por crise de audiência e financeira, fez questão de frisar que se tratava de um programa jornalístico, não de um circo ou teleculto.

Em sua página oficial na internet, o TV Verdade é descrito como um local de debates temas do cotidiano, em linguagem simples, com a participação de convidados diferentes todos os dias. "Polêmica e ineditismo são marcas registradas do TV Verdade. Não há tema proibido. Não há censura. Você pode até saber como o programa começa. Mas nunca como ele termina", diz o site da TV Alterosa.

Com a entrevista do demônio, o TV Verdade chegou a ter pico de 4 pontos, empatando com a Globo e com a Record no Ibope de Belo Horizonte. O resultado é 471% acima do normal: o programa registrou média de 0,7 ponto nas quatro segundas-feiras anteriores. 

Ao Notícias da TV, Carlini disse que o TV Verdade "une jornalismo e entretenimento e que se limitou a apresentar o caso de um zelador de um terreiro que incorpora uma entidade".

Questionado se planejava levar o Tranca Ruas novamente ao programa, o diretor de Jornalismo da TV Alterosa disse ter "dezenas de outras pautas relativas a religião engatilhadas" e se gabou de que seu jornalístico "é o único programa da televisão brasileira que recebe todas as religiões sem nenhum tipo de distinção".

A direção nacional de Jornalismo do SBT, em São Paulo, diz não ver problema no conteúdo e que acredita que suas afiliadas têm liberdade para exibir o que quiserem nos espaços locais. 



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