data da postagem:28/09/201
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Por:Samuel Possebon
No começo deste mês, a Seja Digital, empresa encarregada de fazer a distribuição dos kits de digitalização da TV analógica para a população carente cadastrada no Bolsa Família e em outros programas sociais do governo, chegou à considerável marca de 5 milhões de kits distribuídos e instalados. Quase tudo foi distribuído este ano, e a expectativa é que até o final de 2017 sejam 7 milhões de kits entregues ao todo, número similar ao esperado para 2018. Ao longo deste processo, algumas lições importantes já puderam ser aprendidas.
O saldo positivo não se dá só pelo número de kits distribuídos, mas pelo fato de que nas cidades em que o sinal analógico de TV é desligado, praticamente 100% da população passou a receber sinal de TV digital, o que significa que o processo não gerou um gap tecnológico, pelo menos não em percentuais estatisticamente relevantes. Mesmo a cidade de São Paulo, onde poucos apostavam ser possível o desligamento do sinal, não há mais TV analógica, e o Rio, com todas as suas dificuldades, caminha para ter o mesmo cenário ao final de outubro. O desligamento em Salvador e Fortaleza, por sua realidade sócio-econômica complexas, também foram marcos importantes.
Foi necessário ao longo do processo fazer alguns ajustes de cronograma dentro do que havia sido originalmente desenhado, e o resultado desse ajuste é que apenas nas 1,3 mil cidades em que é de fato fundamental a limpeza da faixa de 700 MHz a digitalização será total. Nas demais, a TV analógica continuará existindo e conviverá com aquelas emissoras que queiram migrar para a nova tecnologia. A obrigação de digitalização total e switch-off em todo o país está estabelecida para 2023 apenas, mas sem a pressão para a liberação do espectro para a banda larga móvel, nada garante que estas cidades, que representam pouco mais de 30% da população, um dia serão 100% digitais.
Modelo de implantação
A principal lição observada no processo até agora é que é possível implementar uma política pública a partir de um fundo de recursos oriundos da iniciativa privada (mas que serviram como parte de pagamento de um leilão de espectro) e com uma gestão independente do Estado. Um embrião desse modelo já havia sido realizado com a ABRTelecom, responsável pela gestão da portabilidade e agora pela verificação dos parâmetros de qualidade da banda larga, mas a Seja Digital (nome fantasia da EAD – Empresa Administradora da Digitalização) levou a iniciativa a um outro patamar, seja pelo tamanho do desafio de distribuir 15 milhões de kits à população carente, o orçamento de R$ 3,6 bilhões ou ao pouco tempo para concluir a digitalização (pouco mais de três anos de trabalho). Parece estar funcionando bem, mesmo que com atritos pontuais, a sintonia entre o Gired (grupo gestor da digitalização), por meio do qual o poder público (Anatel e MCTIC) atua no processo, e as empresas de TV e telecomunicações envolvidas, bem como o trabalho dos comitês de acompanhamento e da atuação da Seja Digital. A EAD, mesmo sendo "controlada" pelas empresas de telecomunicações, tem um foco muito específico de trabalho, que é distribuir os kits e informar a população sobre o processo de digitalização, e essa simplicidade na proposta (ainda que de execução complexa) tem contribuído para os resultados. A Seja Digital não se tornou um braço de venda de produtos de telecom, não executa outras políticas públicas, não desenvolve negócios para as operadoras nem é pautada pela agenda governamental, e isso dá o foco necessário ao trabalho.
Outro elemento surpreendente do processo é a colaboração das emissoras de TV, que se um dia resistiram à ideia de entregar a faixa de 700 MHz para seus novos ocupantes (as teles), hoje mostram-se empenhadas em estimular o processo de digitalização. O tempo dedicado ao tema nos telejornais de maneira expontânea e o envolvimento em campanhas organizadas pelas próprias emissoras ou coordenadas com as teles é uma grata surpresa.
Outro elemento surpreendente do processo é a colaboração das emissoras de TV, que se um dia resistiram à ideia de entregar a faixa de 700 MHz para seus novos ocupantes (as teles), hoje mostram-se empenhadas em estimular o processo de digitalização. O tempo dedicado ao tema nos telejornais de maneira expontânea e o envolvimento em campanhas organizadas pelas próprias emissoras ou coordenadas com as teles é uma grata surpresa.
Caixa-preta
Mas há lições importantes a serem aprendidas até aqui. Uma delas ficou evidente com a necessidade de adiar o desligamento em Sobral e Juazeiro do Norte (Ceará). Ficou claro que a TV aberta, fora do circuito das grandes redes de TV e grandes centros, tem imensas dificuldades de se digitalizar, seja pela falta de recursos financeiros, adequação técnico-jurídica ou mesmo interesse estratégico. Nas duas cidades do interior cearense, o que aconteceu foi uma soma desses fatores. Isso demonstra como o mercado de radiodifusão, regulado apenas cartorialmente nas últimas décadas, é uma caixa preta para o Poder Público, e a regulação setorial não tem poder nenhum de mandar fazer ou ajustar as falhas de mercado. Uma das graves falhas identificadas no processo é a deficiência de cobertura da TV aberta, o que força boa parte da população a recorrer à parabólica ou TV paga via satélite para ter seus serviços. Outro problema é que em muitos municípios a retransmissão dos sinais de TV depende exclusivamente de prefeituras, que hoje não têm condição de investir para manter o serviço, quanto mais digitalizá-lo.
Outra lição do processo é sobre a importância da TV aberta, sobretudo para a população mais carente. A atuação da Seja Digital se dá, essencialmente, da mesma forma como os diferentes programas sociais atuam, por meio dos agentes comunitários, prefeituras, ONGs e instituições religiosas. E os relatos colhidos até aqui são de que a população mais carente percebe na TV aberta um valor equivalente ao que se dá a serviços públicos como saúde, escola, recolocação profissional ou benefícios sociais. Por ser a única forma de entretenimento e informação da maior parte da população, o esforço de digitalização tem sido muito efetivo.
Do ponto de vista técnico, houve alguns aprendizados. No que diz respeito à interferência, os temores de que o sinal LTE interferiria na recepção dos sinais de TV, até aqui, não se concretizaram. Também ficou evidente que o interesse das pessoas pelos recursos de interatividade, no modelo atual, é nulo. O índice de uso dos recursos disponíveis nas caixas medido pelas pesquisas até aqui é próximo de traço. Não se sabe se o resultado teria sido outro com uma caixa mais sofisticada, ou com canal de retorno. Mas o fato é que o benefício percebido pelos usuários é, efetivamente, a melhoria da qualidade do sinal.
A EAD ainda tem muitos desafios complicados pela frente, mas parece ter encontrado um caminho que efetivamente levará à digitalização dos lares brasileiros na questão da recepção de TV, pelo menos nas cidades em que a sua intervenção para a liberação do espectro é necessária. As emissoras também perceberam que a digitalização tem benefícios, como a economia de energia e qualidade de som e imagem, e um aumento de satisfação dos espectadores. Para não falar na convivência pacífica com as teles, que se mostrou possível mesmo com interesses originalmente tão antagônicos. Faltam ainda nove milhões de kits a serem distribuídos e muitas cidades importantes passarem pelo desligamento para atestar o sucesso do modelo, mas o caminho é promissor.
Fonte:http://teletela.com.br/teletime/27/09/2017/cinco-milhoes-de-kits-de-tv-digital-depois-o-legado-do-modelo-de-switch-off/?noticiario=TL
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