Data da postagem:21/07/2017
Por:P SAMUEL POSSEBON
Antônio Barreto chegou ao comando da Turner do Brasil em março deste ano, primeiro anunciado como consultor, mas agora já efetivo como gerente geral da programadora. Um dos mais experientes profissionais do mercado brasileiro de TV paga (Barreto é pioneiro da operadora Canal +, que lançou o primeiro serviço da cidade de São Paulo, no final dos anos 80), o executivo já esteve em empresas como Net Brasil, Abril, HBO, Telefônica, América Móvil, DirecTV, Disney e, mais recentemente, como sócio do time de futebol FC Miami City. Após passar quase duas décadas fora do Brasil, ele retorna em um momento crucial para a Turner. De um lado, uma mudança gerencial, com a transferência de parte da estrutura dos canais para os EUA e a necessidade de consolidar a compra do canal Esporte Interativo. Depois, em meio à fusão do grupo Time Warner (controlador da Turner) com a AT&T, que no Brasil controla a Sky. Nessa entrevista, ele detalha um pouco sua estratégia para o país e fala sobre os desafios da indústria.
TELA VIVA – Qual foi a sua missão ao aceitar o convite para vir ao Brasil para assumir o comando da Turner?
ANTÔNIO BARRETO – Quando a Turner comprou o Esporte Interativo (em janeiro de 2015) eu pensei "Uau, eles têm um mega desafio", porque a Turner não conhecia esporte, futebol, futebol no Brasil… me pareceu um ato de coragem, de ousadia, tendo eu trabalhado nas Organizações Globo por cinco anos, na Net Brasil, lembrando das negociações. Eu não me envolvi nessa compra. Tinha uma amizade com o Juan Carlos (Juan Carlos Urdaneta, presidente da Turner Latin America até setembro de 2016) e conversava muito com ele. Mas me encontrei com o Whit (Whit Richardson, que assumiu a Turner Latin America em fevereiro de 2017) na NATPE deste ano e em março ele me ligou. Ele me colocou que havia vários desafios, e o primeiro deles era a unificação dos dois negócios. Havia algumas questões internas decorrentes das mudanças de liderança e da saída do Juan Carlos, mas sobretudo uma distância enorme entre a cultura da Turner no Brasil e a cultura do Esporte Interativo, sem um líder que pudesse trazer essas duas equipes para um projeto comum.
Qual era o problema?
Havia uma grande tensão entre as duas culturas e a minha chegada visava quebrar um pouco isso. O Esporte Interativo em vez de ser identificado como um canal e um investimento da Turner, era visto como uma empresa separada, com cultura diferente. O que estamos fazendo agora é separar: o que ainda precisa ser integrado enquanto empresa do Esporte Interativo e canal como produto que todo mundo adora. O Esporte Interativo produto é paixão, mas quando ele é visto como cultura empresarial, havia esse conflito. Todo mundo entendeu isso, levou um mês para todo mundo se achar, saberem quem eu sou, eu saber quem eram as pessoas. Ficou claro que a minha missão era criar essa cultura única, em primeiro lugar, e uma cultura que reflita a visão do Whit e do Gerard (Gerhard Zeiler, presidente da Turner International) que tem o desafio de entender o negócio que a gente tem hoje.
Que desafio é esse?
O nosso negócio é TV paga, nascemos TV paga, mas e o resto? O mundo está andando, TV paga não é mais o jogo todo. O conteúdo está sendo entregue em outras plataformas, de forma vertiginosa, a estrutura de custos e receitas é completamente diferente. Como a gente faz para trazer esse ativo da Turner, Cartoon, Space, Esporte Interativo, TNT, para esse novo mundo. No discurso é fácil. A gente vê isso em todas as discussões, seminários… O meu papel é trazer isso para a Terra. E o momento é ótimo para buscar as respostas, porque a gente está em crise, o mercado não está crescendo, a ameaça das plataformas digitais é presente, o mix de receitas publicitárias está mudando muito, as empresas de Internet estão trazendo propostas robustas de como entregar…
Entregando conteúdo e publicidade de uma forma que não se fazia, com conteúdo programático, customizado…
E a TV paga nunca propôs isso. Quanto é que vale entregar uma publicidade baseada nos hábitos do consumidor? Inicialmente elas (as empresas de Internet) vinham com essa proposta de micro-segmentação do target, de condicionar a entrega ao espectador. Mas isso é a parte fácil. A publicidade está mudando, porque as pessoas deixam de prestar atenção na tela na hora do break. As pessoas vão navegar no celular na hora do comercial de TV. O conceito de eficácia mudou, e as plataformas de Internet estão agora desesperadas atrás de conteúdo. O conteúdo é o que o consumidor quer, ele não quer publicidade. A publicidade faz sentido dentro do contexto do conteúdo. A publicidade seca não traz conexão com o consumidor. A promessa de micro-segmentação não está funcionando, não é bem assim. Um view de três segundos em um vídeo não tem esse valor todo. De outro lado, a gente tem uma conexão emocional com o telespectador.
Mesmo com as mudanças tecnológicas, na forma de consumir, essa conexão permanece importante?
Sim, e é o que a gente sabe fazer. A gente não faz canal. Canal é uma forma de chegar, mas o que nós, como mídia, temos, é essa conexão. Quando você entra em uma telco, por exemplo, a linguagem é da eficiência, do engenheiro. A pergunta é sempre quanto custa, qual a margem… O nosso business é outro. Do que a gente produz, 90% não dá certo, mas quando dá certo, é muito certo. E tem que continuar produzindo para acertar e criar essa conexão com o espectador, que não se pode racionalizar. Esse é o nosso DNA.
E como aliar esse DNA a estas mudança de modelo?
A perspectiva que nós na Turner temos, que já aconteceu no mercado norte-americano, é de valorizar a produção. Por isso o esporte é tão fundamental, porque é onde o consumidor está. Temos três pilares de conteúdo: infantil, entretenimento geral (filmes e séries) e esportes. Sem esquecer a CNN, claro, que é o primeiro canal nosso aqui. E dentro destas três áreas temos as marcas e conteúdos, e nisso estabelecemos a relação com o consumidor. O Esporte Interativo tem desde o começo essa característica de os fãs terem sido chamados para trabalhar no canal. A CNN recentemente trouxe um dos maiores influenciadores digitais (Casey Neistat) para mudar a cara do canal, tem os documentários com o Anthony Bourdain… Essa visão veio do Jeffrey Zucker (presidente da CNN). Hoje, o cliente é o seu criador de conteúdo e é o seu vendedor. Cliente e produto se confundem dentro do consumidor, e isso está acontecendo em uma velocidade muito rápida.
Mais ou menos o que a Globosat está buscando com a joint-venture com a Vice no Brasil. Trazer uma nova linguagem para uma nova audiência…
Isso. O Vice consegue isso, uma linguagem completamente diferente. No nosso caso, com o Esporte Interativo, o que a gente decidiu é que não dá para escolher, dentro da empresa, entre duas culturas. Todo mundo abriu mão da sua e vamos tentar começar uma do zero, debaixo da linha estratégica da empresa, sem que a cultura e a estratégia colidam. O bom de épocas de crise é que as pessoas abrem mão da resistência, porque precisam de alguma coisa melhor.
Quando você fala em crise, está falando da crise existencial da indústria, sobre o futuro da TV paga, ou a crise do mercado brasileiro, ligado à crise econômica?
De todas. Google e Facebook vão acabar com a gente? A ansiedade coletiva é geral, e não sabemos dizer se a estancada da TV por assinatura brasileira é só um problema da crise econômica ou também de produto.
A banda larga continuou crescendo mesmo com a crise econômica, e na América Latina só Brasil, Uruguai e Barbados têm penetração de TV paga inferior à de banda larga. Isso não aumenta o risco no Brasil?
A banda larga vai passar TV em todos os países. E tem a banda larga móvel avançando. É a tempestade perfeita para a TV por assinatura. Mas o Brasil tem pouca TV paga, porque a TV aberta sempre foi forte. Portanto, tem um potencial imenso para crescer ainda. De outro lado as empresas de Internet têm um volume imenso de informação o sobre o usuário, mas não são acostumadas a fazer conteúdo.
Vocês têm o conteúdo mas não têm o big data. Como é que faz?
A verdade é que a gente nunca se preocupou com isso (com o big data). Mas podemos ser comprados por uma AT&T e ter acesso a tudo isso, hipoteticamente. E eles terem acesso ao que só a gente tem. As telcos têm essa relação financeira que é o mais forte. Uma relação permanente e econômica com os indivíduos. Mas não têm DNA para fazer conteúdo, por isso precisa juntar esforços. Mas precisa ver como será a convivência de culturas, porque se uma tentar ganhar da outra, uma mata a outra. Norte-americano costuma ser muito pragmático. Melhor parar de falar sobre isso (risos)…
Os modelos de Netflix, do Youtube, têm um forte apelo junto ao usuário, mas por outro lado não têm um modelo econômico que sustente toda a cadeia existente hoje. A TV por assinatura no modelo tradicional, por sua vez, sustenta centenas de milhares de horas de conteúdo ao ano, inclusive para estas novas plataformas, mas é um modelo que perdeu apelo. Como conciliar?
As plataformas que estão morrendo são aquelas que têm um alto custo de entrega, como jornal, revistas, DVD… O que mudou é a tecnologia que dá acesso. A produção de conteúdo e o consumidor permanecem. A questão é o que acontece com a cadeia no meio disso, essa é a grande pergunta, e como ficará o custo de aquisição de clientes. A Netflix está dando lucro, ainda pequeno, mas está. Há algum tempo o que se apostava é quando ela ia morrer. Vejo espaço para operadores de rede, porque há o valor da relação com o consumidor. O desafio é como se adaptar ao que o consumidor quer, porque ele tem acesso direto ao conteúdo.
Você disse que a Internet é um caminho necessário aos produtores de conteúdos. Mas têm planos de fazer isso sem um intermediário, sem operador de rede?
Não. Não temos nenhum problema em ir para o modelo OTT em parceria com o operador de rede, que é o mesmo operador de rede móvel. Ele é um grande parceiro, obrigatoriamente um parceiro. O Esporte Interativo tem um modelo de venda direta, mas a prioridade é o bundling, como temos com a Nextel. Vamos lançar o OTT do Cartoon com eles também, algumas teles estão procurando. As operadoras de celular estão procurando isso, porque eles precisam de valor agregado. E as telcos são hoje as grandes operadoras de TV paga tradicional.
As operadoras deveriam ir para a Internet também?
As operadoras nos EUA estão montando os skinny bundles pela Internet, a DirecTV fez isso, a Dish fez. O que a gente precisa ver é como fica a relação entre as operadoras e os canais, porque precisa dar uma depurada, é preciso haver uma otimização dos canais, consolidar. Tinha uma coisa de "real state" (nos line-ups). Como era um terreno limitado, todo mundo correu para ocupar um espaço. Mas idealmente, faz o maior sentido concentrar naquilo que efetivamente faz sentido.
O modelo tradicional, linear, ainda tem espaço para crescer?
Tem, mas o produto eventualmente tem que se adaptar. A gente sair da rede fixa é um movimento inevitável. Tem os modelos de TV everywhere, mas é preciso ir além. Num modelo de skinny bundle, as telcos têm medo que o preço do produto não pague a rede, mas é preciso lembrar que a rede é delas, que aquilo está sendo amortizado na oferta de banda larga.
O que as operadoras dizem é que o custo de programação é que é muito elevado para um modelo como esse no Brasil.
Se o mercado vai crescer, acho que todos topam ser mais agressivos para esses modelos. Idealmente, um aumento significativo na distribuição pode trazer mais receita de publicidade, por exemplo. Com mais produção original, pode-se incorporar valor de branded content dentro de seu conteúdo. E para o operador da rede, a tendência é que o custo de oferecer TV caia na medida em que a banda larga cresce. A rede tende a se pagar só com a conexão. A Liberty Media tem um acordo enorme de distribuição com a Netflix em troca de um percentual de receitas de 15%, 20%. Isso fortalece a relação com o consumidor. Se o John Malone já viu isso, quem somo nós para questionar. O Brasil tem uma estrutura de custos mais complicada, de impostos, custo de capital… Mas acredito em um produto além da rede, e ser um operador de TV paga tradicional é fundamental, porque eles já têm escala, já consegue os custos de conteúdo.
O modelo de esporte é sustentável, considerando a disputa por direitos e a capacidade de rentabilizar esse conteúdo com publicidade ou assinatura?
O Neymar aparentemente aceitou a oferta do PSG. Só de multa são 220 milhões de Euros. Alguém vai pagar essa conta. Mas esporte sempre foi isso, porque é o polo de atração, de paixão. É o que muda a relação das pessoas com o conteúdo. E como é caro, não pode ser um negócio de um só player. Resolvemos entrar no futebol brasileiro competindo com a Globo, que está estruturada há anos, e que transferiu esse valor para a Globosat.
Mas tem espaço para tanta competição no segmento esportivo?
Sim, justamente porque os ativos são caros. Ativos esportivos são pouco replicáveis. Futebol Brasileiro, Champions, Espanhol, Inglês… Entre as propriedades de primeira, ninguém consegue pagar tudo. Os fãs seguem os eventos e os clubes, e a gente tenta associar o canal a isso. O Esporte Interativo, que é um produto naturalmente digital que tende a ficar super-segmentado porque tem os direitos de alguns clubes. E eu não tenho dúvida que uma hora Google, Facebook, Amazon vão entrar nessa disputa pelos ativos esportivos. Como as telcos, em outros países, entraram, mesmo sem saber como explorar os direitos e transformar aquilo em produto.
A disputa pelo mercado esportivo ficará ainda mais acirrada?
Sem dúvida, porque o sistema está aberto, porque a rede (Internet) é aberta e todo mundo vai querer aquilo que traz interesse. E esporte é o primeiro item da lista. Por isso a multa do Neymar é de 220 milhões de euros.
Sei que você não pode falar sobre isso, até porque a fusão com a AT&T não aconteceu. Mas o Brasil traz alguns obstáculos legais a essa operação e se especulava, quando a Turner passou o comando dos canais para os EUA, sobre a possibilidade de tirar a programadora do país.
Não, zero. Coisas independentes. O que o Whit fez quando promovemos as primeiras mudanças foi implementar uma estratégia integrada para a América Latina. Os produtos e marcas precisam de uma visão global, e nesse sentido muita coisa foi para os EUA. Não foi nada para a Argentina. Esporte é o único produto com uma característica mais local.
E esporte é possivelmente o principal problema regulatório para a fusão…
"We'll cross that bridge when we get there". Uma vez alguém da Ancine disse que a água desce o morro querendo nós ou não. Se nós não podemos ter esporte, quem pode ter? Facebook pode ter? Google pode ter? Ah, mas tele não pode. Espera, o mundo está evoluindo. Veja o VoD: os impostos sobre o vídeo sob demanda são tão absurdos que ninguém consegue regulamentar a lei. Eu me lembro quando lançamos o VoD pela DLA, eu tinha uma dívida de impostos de R$ 30 milhões sem ter um centavo de receita ainda, porque eu tinha 30 mil títulos, a R$ 10 mil por título, enquanto a Netflix não pagava nada. Como ajusta isso? Tem que admitir que errou a mão. Para manter a competitividade, ser relevante do ponto de vista econômico, a gente precisa se ajustar.
Está claro que o Esporte Interativo é central nessa estratégia da Turner. Pensar nos canais Turner fora do Brasil também parece incoerente com tudo o que você disse.
Isso não existe, é fantasia. A chance da Turner fora do Brasil é zero.
Mas o que fica no país? Vocês fizeram esta semana mais um corte no comercial e na área de marketing.
No back office. Eu prefiro ter uma estrutura adaptável, com capacidade de gestão e decisão. Mas não necessariamente precisamos produzir dentro de casa o que para os nossos clientes de publicidade. A gente tinha uma área para isso, mas não fazia muito sentido ter uma equipe interna. Área comercial no Rio e em São Paulo, não fazia sentido. E na parte operacional tem muita coisa a ser melhorada. O meu dever é fazer uma empresa rápida, magra, rentável. Porque fez cortes, está mal? Não, ao contrário. Nunca estivemos tão bem, a receita de publicidade nunca esteve tão bem. Perdemos receita assinantes como toda a indústria, e é nossa obrigação encontrar alternativas. Se o mercado demorar para retomar, o que a gente faz? Vamos ficar reclamando da vida a cada duas semanas?
A estratégia de produção muda com a transferência da cabeça dos canais para Miami?
Os conteúdos precisam ter relevância global, precisam ser relevante para o Brasil e para fora também. E vai se criando uma salada de fruta em que tem para todo mundo. Mas a estrutura dos canais está distribuída, só a cabeça está em Atlanta. Aqui a gente será responsável pelo negócio, mas não necessariamente pelo produto, e a comunicação a gente faz junto para falar a língua local.
O processo de nacionalização da TV por assinatura promovido depois da Lei do SeAC funcionou, na perspectiva do programador?
Uma coisa interessante é que às vezes você realiza alguns movimentos porque alguém obrigou, e isso é bom. Se dependesse do nosso comodismo, talvez não tivesse feito. O Cartoon faz hoje mais do que o dobro de produção nacional do que precisa. Como incentivo, como motor de arranque, foi bom, e esse é o papel da agência. Mas na hora que briga uma briga de interesses é ruim. Produzir no Brasil ainda é caro, porque você é obrigado e tem um monte de regra. Tem muito dinheiro que está sendo canalizado pela sociedade para isso. Mas já saímos da fase que precisava ser obrigado. Existe negócio, existe escala, a produção brasileira de qualidade não precisa de incentivo, isso já se vende, o consumidor quer. As condições de produção independente para TV já foram estruturadas, e as obrigações hoje só dificultam.
E levar esse modelo para o VoD?
Acho que o dia que encontrarem a fórmula de fazer isso, ela vai estar velha. Não dá para mirar o futuro olhando para o passado.
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