O sinal de TV analógica da geradora local de Rio Verde, a TV Anhanguera (afiliada da TV Globo), foi definitivamente desligado nesta terça, 1 de março, às 12:41. Um pouco depois foi desligado o sinal da retransmissora da TV Sucesso (afiliada da Record). As demais retransmissoras da TV Serra Dourada (SBT) e Band Goiás (Bandeirantes) também desligaram seus sinais por volta do mesmo horário. As outras retransmissoras locais, da Rede Vida, Record News e Canção Nova já haviam desligado os sinais dia 15 de fevereiro.
É a primeira cidade da América do Sul a ter as transmissões de TV analógicas totalmente interrompidas em função de um processo de transição para transmissões 100% digitais. O ministro das Comunicações, André Figueiredo, participou da cerimônia de desligamento ao lado do presidente da Abert, Daniel Slaviero, e o presidente das organizações Jaime Câmara, Cristiano Câmara. Participaram ainda o presidente da Anatel, João Rezende; o conselheiro da agência e presidente do Gired, Rodrigo Zerbone; o presidente da Claro, Carlos Zenteno, e o presidente da Algar Telecom, Jean Carlos Borges.
Para o ministro André Figueiredo, a data é tão histórica quanto foram o início das transmissões de TV nos anos 50, a TV colorida na década de 70 e o início das transmissões digitais, em 2007. Figueiredo também participou da solenidade de desligamento da retransmissora da TV Sucesso.
Desligamento difícil
A transmissão do sinal analógico foi interrompida mesmo sem o atingimento do índice de domicílios aptos de 93%, cenário considerado inimaginável até recentemente, quando emissoras de TV e radiodifusores conseguiram chegar a um acordo, ratificado pelo Gired, que estabeleceu um novo cronograma de transição.
Enquanto o valor de referência previsto na regulamentação é de 93%, em Rio Verde (que tem 200 mil habitantes) o Gired concordou, numa decisão unânime (ou seja, com o apoio da radiodifusão) que o sinal fosse desligado com 85%. O Ministério das Comunicações autorizou o desligamento nestas condições. Isso significa que cerca de 30 mil pessoas deixarão de receber o sinal de TV aberta na cidade, por não terem, ainda, se ajustado à recepção digital. Alguns, contudo, já estão na banda C ou têm TV por assinatura fora da área de cobertura da TV aberta.
Segundo o ministro André Figueiredo, esta exceção não deve ser entendida como um precedente para outras cidades. "Na próxima cidade, que será Brasília, vamos aproveitar a nossa experiência em Rio Verde para fazer com que o desligamento possa ocorrer dentro dos percentuais mínimos exigidos", disse ele. Segundo o ministro, o Gired agora acompanhará a evolução do mercado em Rio Verde para ver o comportamento das pessoas que ficaram sem o sinal e compreender o efeito que o desligamento efetivo traz no processo de transição.
Mas o clima cordial e de entendimento que havia na solenidade em Rio Verde escondia uma história bem mais conturbada. Conforme apurou este noticiário, houve nos bastidores um trabalho intenso de negociação para convencer o setor de radiodifusão da importância de se realizar o primeiro desligamento sem mais atrasos. As emissoras de TV aceitaram, para demonstrar boa fé e disposição com o processo, mas já deixaram claro que em Brasília, cujo desligamento está previsto para outubro, essa flexibilidade não será tolerada. Um percentual de domicílios de 15% na Capital Federal (com quase 3 milhões de habitantes) significariam 450 mil pessoas sem condições de assistir televisão aberta, fora aquelas que vivem no entorno de Brasília, estimadas em mais 150 mil pessoas sem sinal terrestre. "De fato foi uma decisão consensual e concordamos pelas características da cidade de Rio Verde e pelo caráter experimental, mas foi uma situação excepcional e esperamos que nas próximas cidades, especialmente Brasília e São Paulo, o desligamento só aconteça com o atingimento à risca dos indicadores acordados", diz Daniel Slaviero, presidente da Abert, associação que congrega radiodifusores.
Lições aprendidas
A EAD, empresa que administra o processo do desligamento, aposta que alguns fatores devem ajudar a impulsionar a adoção em Brasília. Primeiro, a maior penetração de TV por assinatura, que agora entra na conta dos 93%. Outro fator é o fato de que em Brasília serão seis geradoras de TV participando da campanha de desligamento: Globo, SBT, Record, Band, TV Brasília (Rede TV) e EBC. Em Rio Verde, havia campanha em apenas uma geradora (TV Anhanguera). Pesa também o poder aquisitivo maior da população e o tempo com que os sinais digitais já estão presentes na cidade.
O processo de desligamento em Rio Verde deveria ter acontecido em novembro de 2015. Foi então adiado para fevereiro e depois novamente ajustado para o começo de março, em função do não-atingimento dos índices mínimos. Nesse processo, foram várias as constatações do Grupo de Implantação de TV Digital (Gired). Uma delas, segundo o conselheiro Rodrigo Zerbone, presidente do grupo, foi a importância da credibilidade do processo. Para ele, é importante para o próprio processo que os prazos de desligamento sejam respeitados. E essa afirmação se corrobora em números. Segundo Antônio Martelleto, diretor geral da EAD, nas pesquisas que foram feitas antes de se chegar à primeira data de desligamento, 80% das pessoas tinham confiança de que o switch-off aconteceria. Depois dos adiamentos, esse percentual caiu a 40%.
Um fato curioso ilustra esse dado: minutos após o desligamento dos sinais, uma autoridade local desinformada ligou para a TV Anhanguera reclamando da ausência do sinal analógico.
A EAD aposta ainda em novas estratégias para agilizar o processo de transição em Brasília. A primeira é combinar os esforços de divulgação junto às camadas de baixa renda, já que já existe a decisão de distribuir o receptor de TV digital tanto os beneficiários do Bolsa Família quanto aos integrantes do Cadastro Único. "Isso facilita muito a logística e a divulgação e torna as campanhas mais efetivas", diz Martelleto. A EAD também pretende antecipar essa distribuição para 90 dias antes do desligamento, ou seja, ter todos os decodificadores distribuídos até o final de julho, o que permitiria captar, nas pesquisas, o efeito completo da distribuição.
Publicidade e projeções
Para a EAD, será preciso também pensar em outras formas de publicidade porque o que ficou constatado é que a mudança no formato da imagem para 16:9 para a transmissão dos avisos de desligamento nas faixas escuras na parte inferior e superior da tela não trouxe resultados significativos.
Já as empresas de radiodifusão demandam que as pesquisas reflitam melhor o momento e não trabalhem em cima de projeções de comportamento. Alegam que em Rio Verde, onde se projetava que haveria um aumento expressivo na reta final dos domicílios prontos para a TV digital, os indicadores projetados não se mostraram confiáveis para a tomada de decisão porque os números variaram menos do que o estimado.
* O jornalista viajou com a comitiva do Ministério das Comunicações
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